terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Não é Autismo, é IPAD

André Barcinski


07/01/2015


A fonoaudióloga Maria Lúcia Novaes Menezes está preocupada com um fenômeno que tem percebido nos últimos tempos: o aumento do número de crianças muito novas – de dois ou três anos – usando tablets.
Profissional com mais de 30 anos de experiência, a doutora tem atendido, em seu consultório no Rio de Janeiro, inúmeros casos em que os pais chegam a suspeitar que os filhos são autistas, sem perceber que o uso prolongado de tablets, joguinhos eletrônicos e celulares é que está dificultando o desenvolvimento da comunicação das crianças.
Fiz uma breve entrevista com a doutora Maria Lúcia Novaes Menezes. Aqui vai a conversa:

A senhora disse estar assustada com o número de pais que deixam filhos pequenos - crianças de dois ou três anos - usarem tablets. Isso tem aumentado nos últimos tempos?
A cada ano percebe-se que aumenta o número de crianças com menos de três anos de idade fazendo uso de tablets. Podemos observar, nos shoppings, bebês com tablets pendurados nos carrinhos. Isso tem prejudicado o desenvolvimento da linguagem e, principalmente, da socialização.

Quais as consequências que a senhora tem percebido nas crianças?
Se considerarmos que, nos primeiros três anos de vida da criança o desenvolvimento da cognição social se dá através do desenvolvimento da intersubjetividade, ou seja, que as diferentes fases da interação da criança com seus pais e cuidadores se dão através de compartilhar experiências e do olhar da criança para o outro, a utilização do tablet impede estas ações.
O tablet, utilizado por longo tempo, retira do contexto da criança esse contato fundamental para a socialização, causando um prejuízo no desenvolvimento das habilidades humanas que dependem da socialização, do envolvimento com o outro, prejudicando o desenvolvimento da socialização e do aprendizado que depende de experiências com o mundo à sua volta.

A senhora mencionou que alguns pais a procuram para tratar de supostos problemas de comunicação das crianças, sem perceber que o uso do tablet é uma das principais razões para isso.
O que tenho observado, principalmente no último ano de clínica, é que o uso do tablet e outros eletrônicos está cada vez mais tomando o lugar da interação entre as crianças e seus pais e o brincar no contexto familiar. Os pais passam muito tempo no trabalho, chegam em casa cansados e, quando os filhos querem assistir desenhos e joguinhos no tablet, eles liberam, em vez de tentar conversar ou brincar.
Como conseqüência, se a criança tem alguma dificuldade para adquirir a linguagem e a socialização, essa pouca comunicação com os pais poderá desencadear esse déficit. Talvez, em um contexto familiar onde fosse mais estimulado a se comunicar e brincar, essa dificuldade não aparecesse de forma tão acentuada. Essa hipótese surgiu da minha prática clínica, onde na entrevista com os pais eles relatam o uso de tablets, jogos no celular e DVD. Tem acontecido com freqüência que a observação dos pais da forma que interagimos e brincamos com a criança no set terapêutico e como, aos poucos, seu filho vai começando ou expandindo a sua comunicação e o interesse em brincar, eles mudam a dinâmica com seus filhos no contexto familiar, a comunicação verbal e social da criança começa a expandir, os pais ficam mais tranqüilos e mais próximos dos filhos, e a criança, tendo a companhia do pai ou da mãe, passa a se interessar mais pelos brinquedos e em brincar e diminui o interesse pelo tablet, DVDs e joguinhos nos celular.

A senhora mencionou casos em que os pais suspeitavam ter um filho autista, mas o problema da criança se resumia a uso prolongado de novas tecnologias.
No ano de 2014 atendi crianças com idade em torno de dois anos, trazidas com queixa de comunicação social e desenvolvimento da fala, os pais suspeitando de autismo. Mas, ao mudar a dinâmica familiar, essas crianças apresentaram uma mudança muito grande na sua comunicação social e verbal.

O que os pais devem fazer para evitar problemas desse tipo, numa época em que os tablets estão em todos os lugares?
Sei que é difícil ir contra o sistema e penso que a criança deve ser cobrada pelos amiguinhos para ter e usar um tablet. O que talvez auxiliasse a romper com o hábito dos joguinhos eletrônicos e tablets seria restringir ao máximo possível o uso do tablet. Talvez a melhor forma de se conseguir é dando mais atenção ao filho através de conversas, do brincar, e utilizar mais jogos não eletrônicos e mais interativos.
Currículo de Maria Lúcia Novaes Menezes
Fonoaudióloga formada em 1984 pela Faculdades Integradas Estácio de Sá, mestre em Distúrbios da Comunicação, em 1993, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, com cursos na New York University reconhecidos e creditados neste mestrado e doutora em Saúde da Criança e da Mulher pela Fundação Oswaldo Cruz (2003). Aposentada da FIOCRUZ em 2014, mas ainda permanecendo como orientadora do projeto de pesquisa do Ambulatório de Fonoaudiologia Especializado em Linguagem / AFEL. Atua como fonoaudióloga na clínica em avaliação e diagnóstico dos distúrbios da linguagem e orientação aos pais. Autora da escala de Avaliação do Desenvolvimento da Linguagem, idealizado, padronizado e validado no Brasil para avaliar o desenvolvimento da linguagem da criança brasileira.

Não espere o sucesso para ser feliz

12/01/2015

Tal Ben-Shahar: segundo professor de Harvard, sucesso só leva a um aumento temporário no nível de felicidade

São Paulo - Você só será realmente feliz quando tiver alcançado sucesso profissional, certo?
Errado. Na visão do escritor israelense Tal Ben-Shahar, docente na Universidade Harvard até 2008, a sociedade vive uma crise de satisfação no trabalho justamente por acreditar que ser bem-sucedido é "pré-requisito" para se sentir bem.
Apoiado em conceitos de psicologia positiva, tema de suas aulas em Harvard, Ben-Shahar argumenta que a felicidade, ela sim, é a condição prévia para trabalhar mais e melhor - e então ter mais chances de dar certo na profissão.
A seguir, veja os principais trechos da entrevista que o professor concedeu a EXAME.com:
EXAME.com: Pesquisas mostram que a insatisfação com o trabalho é crônica no Brasil e no mundo. Por que há tanta gente desanimada?
Tal Ben-Shahar: Uma das explicações é que não temos tempo para nos recuperar nunca. Estamos online, conectados o tempo inteiro. E, da mesma forma que carros de corrida precisam de um “pitstop”, nós também precisamos.
EXAME.com: Como aumentar o bem-estar no trabalho?
Tal Ben-Shahar: É indispensável fazer intervalos regulares durante o dia de trabalho, além de ter tempo para se recuperar em casa. Estar conectado o tempo todo não ajuda nem o funcionário nem a empresa. Precisamos ter 15 minutos de pausa a cada uma ou duas horas, pelo menos um dia de descanso por semana e pelo menos um período de férias a cada seis ou 12 meses.
Outro fator importante é encontrar um ambiente de trabalho que ofereça o que a professora Amy Edmondson, da Universidade Harvard, chama de “segurança psicológica”. Trata-se da certeza de que nenhum membro da equipe será humilhado ou punido se falar o que pensa, pedir ajuda ou falhar em uma tarefa. Quando os chefes criam um clima de segurança psicológica, quando a equipe se sente confortável para “fracassar” e discutir seus erros, então todos podem aprender e melhorar.

EXAME.com: O senhor costuma dizer que, ao contrário do que dita o senso comum, a felicidade é que leva ao sucesso, e não o contrário. Por quê?
Tal Ben-Shahar:  A partir de muitas evidências científicas, podemos dizer que o sucesso, no máximo, leva a um aumento temporário no nível de felicidade de uma pessoa. 
O bem-estar é que leva ao sucesso. Essa é uma descoberta muito importante, porque corrige um mal-entendido histórico. Uma das causas da infelicidade no trabalho é a falsa crença de que o sucesso é a causa e a felicidade, o seu efeito.
Quando experimentamos emoções positivas somos mais criativos, construímos relacionamentos melhores e temos mais saúde. As empresas deveriam investir na felicidade dos seus funcionários como um fim em si mesmo e também como uma forma de aumentar seus lucros. A felicidade compensa.
EXAME.com: A jornalista americana Brigid Schulte, autora de um best-seller sobre o culto excessivo ao trabalho, acredita que a carreira está se tornando a nova “religião” de muitas pessoas. O senhor concorda?

Tal Ben-Shahar: Sim. A carreira é muito importante, afinal passamos a maior parte do nosso tempo acordados trabalhando. Mas é preciso prestar atenção ao mundo lá fora. Relacionamentos, por exemplo, estão ficando para trás na corrida pelo sucesso profissional. Há um preço muito alto a ser pago por isso, sobretudo porque a felicidade está atrelada ao tempo que passamos com as pessoas que amamos e que nos amam. 
EXAME.com:  No passado, o jovem podia escolher entre poucas profissões clássicas, como as de médico, advogado ou engenheiro. Hoje, porém, há uma oferta bem mais variada de cursos e caminhos possíveis. Isso aumenta as chances de ser feliz no trabalho?
Tal Ben-Shahar: Ter mais poder de escolha é um privilégio e um fardo. Ter muitas opções pode ser ruim, porque não nos perdoamos se somos infelizes. Afinal, tendo tido tantas possibilidades, como você pode estar insatisfeito? Você pensa que a culpa é sua.
Apesar disso, quanto mais alternativas, mais chances você terá de encontrar o que é melhor para você. O segredo é perdoar a si mesmo e aceitar que a infelicidade faz parte da vida. E, claro, procurar aquilo que tem significado e traz prazer para você.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Pesquisa indica relação entre tontura persistente e ansiedade

08 de janeiro de 2015

Por Karina Toledo
http://www.explicatorium.com/CFQ8/Som_Ouvido_humano.php
Agência FAPESP – O equilíbrio, que permite aos humanos caminhar em terra firme ou enfrentar o mar revolto sobre uma prancha de surfe, depende de pequenas estruturas existentes no ouvido interno conhecidas como vestíbulo. Junto com a cóclea – estrutura responsável pela audição –, o vestíbulo forma o labirinto.
Exames de ressonância magnética funcional de portadores de tontura refratária ao tratamento sugerem atividade exacerbada nas vias cerebrais relacionadas com ansiedade e medo (divulgação)
Uma série de doenças que prejudicam a função labiríntica, algumas popularmente conhecidas como labirintite, pode interferir no controle do equilíbrio e causar sintomas como tontura, que costumam ser controlados entre 1 e 3 meses com o tratamento adequado.
Em alguns pacientes, porém, a tontura persiste mesmo após a doença labiríntica de base ter sido compensada e sem qualquer outro motivo aparente. Uma nova pesquisa feita na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) sugere que a explicação para esses casos pode ser a atividade exacerbada de partes do sistema nervoso central relacionadas com ansiedade e medo.
“Exames de ressonância magnética funcional indicam haver uma diferença fisiológica no cérebro desses pacientes. Embora as estruturas cerebrais sejam idênticas às do grupo controle, as vias relacionadas com ansiedade e medo ficam mais ativas que o normal quando submetidas a determinados estímulos”, contou Roseli Saraiva Moreira Bittar, docente da FMUSP e coordenadora da pesquisaapoiada pela FAPESP.
Conforme explicou Bittar, nesses casos hoje classificados como tontura postural e perceptual persistente (TPPP), a doença labiríntica funciona como um gatilho para um distúrbio do equilíbrio impossível de ser diagnosticado e tratado pelos métodos convencionais.
“Depois que esse gatilho é acionado, a doença entra em moto-contínuo. Qualquer estímulo, seja motor, emocional ou situacional, pode ativar as vias de ansiedade e medo e causar tontura. Esse paciente sente-se tonto quando está em pé, sentado ou deitado. Sente que está flutuando ou que vai cair. Nunca está bem e não melhora sem um tratamento psiquiátrico específico”, disse Bittar.
Desvendando o cérebro
A pesquisa ainda está em andamento no Hospital das Clínicas da FMUSP e conta com a participação do neurorradiologista Edson Amaro Junior e da pós-graduanda Eliane Von Sohsten. Também colabora o psiquiatra Jeffrey Staab, membro da Mayo Clinic, nos Estados Unidos.
Atualmente, os cientistas estão comparando mais detalhadamente os exames de ressonância magnética funcional de portadores de TPPP com os de pacientes que se curaram da tontura após o tratamento (grupo controle) para descobrir o que exatamente funciona de forma diferente no cérebro.
A mostra inclui 16 mulheres entre 18 e 60 anos em cada grupo. Segundo explicou Bittar, foram selecionadas apenas destras, para que o funcionamento do cérebro de todas as voluntárias pudesse ser mais facilmente comparado.
Foram excluídas portadoras de outras doenças que poderiam afetar a funcionalidade do labirinto, como diabetes, hipertensão e distúrbios de tireoide. Também foram excluídas as voluntárias cujos exames de ressonância revelaram alterações na estrutura cerebral.
As voluntárias foram submetidas a uma série de exames para comprovar que a doença labiríntica de base estava de fato controlada, além de testes para avaliar o perfil de equilíbrio e questionários psiquiátricos usados no diagnóstico dos transtornos de ansiedade e depressão.
Um dos estudos já concluídos, que incluiu uma mostra de 81 voluntários (ambos os sexos) e foi publicado no Brazilian Journal of Otorhinolaryngology, revelou que os portadores de TPPP apresentam um perfil considerado limítrofe para ansiedade e depressão.
“Embora eles não possam ser considerados doentes psiquiátricos, são muito mais sensíveis do que os pacientes do grupo controle. Apresentam um escore até seis vezes mais alto nos questionários”, contou Bittar.
Outro estudo em colaboração com Staab,  que deve ser publicado em breve, indicou que portadores de TPPP têm um perfil de equilíbrio diferente em relação ao grupo controle. Segundo Bittar, mesmo em situações tranquilas do cotidiano, as mulheres avaliadas apresentaram um nível de tensão muscular exagerado.
“Andam sobre o solo como se estivessem caminhando sobre uma viga estreita de salto alto. Mas reagem da mesma forma que o grupo controle em uma situação de real perigo de queda”, disse a pesquisadora.
Embora ainda preliminares, os resultados da pesquisa já estão, segundo Bittar, promovendo uma importante mudança no tratamento de TPPP.
“O grande mérito foi promover a integração das áreas de otoneurologia e psiquiatria. Antes, nenhuma das duas especialidades sabia ao certo qual encaminhamento dar a esses casos. Os pacientes eram muitas vezes tratados com antidepressivos, mas apenas metade respondia. Hoje, posso dizer que mais de 90% de meus pacientes estão bem”, disse Bittar.