Luto e Melancolia (Freud, 1915)
Profa. Vera Lúcia Glasser Dutra *
O luto é uma reação normal diante das perdas. É um trabalho necessário para o sujeito elaborar a separação e perda do objeto. A causa do luto é consciente, sei que perdi algo, sei o que perdi e sofro por isso. Durante o tempo do luto há uma profunda tristeza e perda de interesse no mundo externo, caracterizando-se o luto por uma falta de prazer na vida em geral, uma incapacidade de amar, trabalhar, etc.... ou seja, há uma inibição de todas as atividades do sujeito. Trata-se de um período de “depressão normal” por causa da perda que é socialmente reconhecida e psicologicamente também. O trabalho do luto é um processo psíquico no qual o sujeito elabora a retirada de seus investimentos no objeto perdido para poder reinvestir depois em novos objetos. Para que isso possa ocorrer o sujeito tem que reconhecer o valor do objeto perdido e poder sentir a dor da perda. No trabalho de luto, após um período de tempo o sujeito submetido à perda é capaz de se separar do objeto perdido porque é capaz de se diferenciar do objeto.
No luto é importante que o sujeito possa se diferenciar do objeto para se separar dele. Para isso é preciso que o sujeito tenha tido com o objeto uma relação na qual o objeto não fosse vivido como um complemento do ego do sujeito. O sujeito tem que ter passado pela perda do narcisismo primário e do seu “eu ideal” e adquirido seu “ideal de eu”. Só assim o sujeito já possui a capacidade de aceitar sua falta e sua incompletude de si próprio e adquirido a capacidade de perceber que o desejo de completude do ego é sempre ilusório. Assim, após a perda do “eu ideal”, o sujeito é capaz de poder manter suas relações com os objetos sem a busca de uma completude. Só depois da perda das ilusões de perfeição e completude do “eu ideal” é que se adquire a capacidade de diferenciação entre o eu e o objeto e se é capaz de se separar do objeto perdido. Ou seja, o sujeito tem que ter substituído seu “ego ideal” (com ilusão de perfeição e completude), um ego infantil impotente”, por um “ideal de ego” (que são valores e projetos para um ego que já reconhece sua incompletude e imperfeições), um “ego mais maduro e potente”. O ideal do ego só se adquire após a castração simbólica do Complexo de Édipo. Só se pode perder objetos e fazer luto após se saber que somos incompletos. Mas se a ligação com o objeto permanecia antes da perda no nível narcísico no qual o objeto tinha a função de ser um complemento do ego, nessa relação não há suficiente capacidade de diferenciação entre o ego e o objeto para se fazer o luto. No luto após um tempo, o sujeito finalmente se separa do objeto e volta a se interessar pela vida e a investir em novos objetos. Isso ocorre sem a necessidade de qualquer intervenção externa ou ajuda de uma terapia. A melancolia é uma reação patológica diante das perdas. Esse quadro, além de apresentar as reações normais do luto que são de profunda tristeza, a perda de interesse no mundo externo, a falta de prazer na vida em geral, uma incapacidade de amar, trabalhar e uma inibição de todas as atividades do sujeito, apresenta ainda mais outras características consideradas patologias que surgem só na melancolia. A melancolia vem acompanhada de uma diminuição da autoestima, intensas auto-acusações, podendo culminar até mesmo numa experiência delirante de punição ou suicídio. O melancólico sente-se incapaz de se separar do objeto perdido, pois seu ego não é capaz de se diferenciar do objeto. Nesse caso, o sujeito ao perder o objeto sente como se ele perdesse uma parte de si (de seu ego) quando perde o objeto. O objeto perdido do melancólico era vivido pelo melancólico como um complemento do seu ego, e em geral é um objeto engrandecido ou idealizado para alimentar seu “eu ideal” característico da infância. Como tal (objeto idealizado) esse objeto é alvo de muita ambivalência, pois o sujeito é muito dependente dele. Sempre que temos uma relação de extrema dependência somos ambivalentes. O sujeito depende dele para alimentar a ilusão de completude de seu ego. Desse objeto espera muito e quando não satisfaz as expectativas ele é alvo de ataques. Ou seja, o melancólico é muito ambivalente com relação a suas ligações (ama e odeia intensamente o mesmo objeto). Como é muito dependente do objeto, temendo odiar o objeto de quem depende, o melancólico usa a estratégia a estratégia de voltar esse ódio e hostilidade contra seu próprio ego. Aqui o sujeito se torna vítima de si mesmo por incapacidade de se diferenciar e se separar.
Freud afirma ainda que enquanto no luto a libido que estava investida no objeto durante o luto retorna provisoriamente para o ego, pois num primeiro momento o sujeito introjeta provisoriamente o objeto perdido, como forma de mantê-lo consigo e se proteger da dor. Mas devido ‘a falta do objeto na realidade para satisfazer os desejos do sujeito, a realidade se impõe e o sujeito busca um novo objeto, no qual sua libido será reinvestida. Já na melancolia a libido livre que estava investida no objeto, ao invés de voltar a se ligar a um novo objeto, volta-se para o próprio ego. Aqui a introjeção do objeto provoca uma identificação do ego com o objeto perdido. O ego ignora a ausência do objeto na realidade e se defende se identificando com o objeto perdido. Nesse caso o eu se anula e se submete ao objeto perdido, se fixando nele e na perda. Daí, então, o ego passa a ser julgado pelo superego como se fosse o objeto. As auto-recriminações do melancólico e ataques ao seu ego vindas do super-ego são na verdade dirigidas contra esse objeto perdido (que era amado-odiado) e que foi internalizado no ego.
Tanto no luto como na melancolia há dor e tristeza, mas no luto a dor abre caminho para a esperança de uma nova vida, enquanto na melancolia há uma fixação numa situação de morte psíquica que paralisa as possibilidades de transformação do sujeito e renovação da busca de satisfação na vida.
* Leitura didática realizada pela professora Vera Lúcia Glasser Dutra a partir do texto de Freud.
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