quarta-feira, 20 de junho de 2012


CONTARDO CALLIGARIS

Uma linda mulher

Se você ama uma mulher por ela ser prostituta, tente entender a fantasia que está atrás de seu amor


Numa cobertura da Vila Leopoldina, em São Paulo, na noite de 19 de maio, Elize Araújo Matsunaga, 30, assassinou o marido, Marcos Matsunaga, 42, com um tiro na cabeça. Na manhã seguinte, com uma faca de cozinha, Elize esquartejou o cadáver, de modo a poder transportar os pedaços em três malas. Logo, ela foi se desfazer das malas e da faca.

Esse fato de crônica tem tudo para se tornar literatura de cordel. Há o sangue frio de Elize depois do crime. Há a diferença social entre Marcos, empresário e herdeiro da Yoki, que acaba de ser vendida por R$ 1,7 bilhão, e Elize, enfermeira e bacharel em direito, mas de origem bem humilde.

Além disso, o ciúme foi um dos motivos: na noite do crime, Marcos acabava de ser confrontado por Elize, que conseguira a prova da infidelidade do marido. Mais: o horror aconteceu depois de seis ou sete anos do que foi, ao que tudo indica, uma genuína paixão; a filha, de um ano, estava no apartamento, dormindo, durante o crime; foi Marcos que transmitiu a Elize o interesse pelo tiro e pelas armas (havia 30, todas registradas, no apartamento).

Mas, acima de tudo, o que transforma a história do casal em matéria de cordel é o fato de que Marcos encontrou Elize, em 2004, num site de garotas de programa.

A informação parece ser repetida pela imprensa como uma mensagem aos homens: olhe o risco que você corre, se você amar uma prostituta e casar com ela.Ora, quero corrigir esse lembrete. Se você se apaixonar por uma prostituta (ex ou não, tanto faz) e quiser se casar com ela, recomendo apenas uma cautela, que não tem nada a ver com sua futura mulher e tudo a ver com você.

Claro, a culpa do crime de 19 de maio é só de Elize, mas o lembrete preventivo é para os homens, embora chegue tarde para Marcos.Se você ama uma mulher que por acaso é prostituta, aí, tudo bem; mas, se você ama essa mulher POR ELA SER prostituta, atenção: nesse caso, seria sábio você se familiarizar com a fantasia que sustenta seu amor. Qual é, em geral, a fantasia em questão?

Todo mundo se lembra de "Uma Linda Mulher", filme adorável de Garry Marshall, em que o rico Edward (Richard Gere) se apaixona por Vivian (Julia Roberts), uma prostituta que ele "levantou" na rua. Será que a história de Marcos e Elize é "Uma Linda Mulher" sem o final feliz? De fato, sempre pensei que, depois dos sorrisos do fim do filme, Edward e Vivian acabariam mal -talvez não tão mal quanto Marcos e Elize, mas mal. Por quê?

Logo quando Edward decide trazer Vivian para o seu mundo, ele "acha graça" confessar a um amigo que aquela linda mulher que está com ele é uma prostituta de rua.

Prognóstico inelutável. Um dia, Edward não resistirá à fantasia que lhe fez escolher Vivian: ele a humilhará (e se humilhará), lembrando, eventualmente diante de amigos e parentes, que Vivian vem da sarjeta e que ele poderia jogá-la de volta para lá.

Na noite do dia 19, segundo a confissão de Elize, Marcos a ameaçou: "Vou te mandar de volta para o lixo de onde você veio". Ele também declarou que, se a mulher quisesse se separar, a filha ficaria com ele, pois será que um juiz daria a guarda da menina a uma prostituta? (Eu aposto que sim, mas sou otimista...).

Em regra, o desejo de um homem que se apaixona por prostitutas (e planeja "redimi-las") é sustentado por uma fantasia (inconsciente) de vingança -contra a mulher e contra ele mesmo, por ter se deixado seduzir. Explico.

A sexualidade de muitos homens é patologicamente neurótica: eles olham para o sexo pelo buraco da fechadura do quarto dos pais. Nessa ótica infantil, não se salva ninguém: é "puta" qualquer mulher que vai com os outros, ou seja, todas as mulheres são "putas", inclusive a mãe (surpreendentemente), porque ela vai com pai, padrasto e companhia -enquanto, para a gente, ela só tem carinho contido.

Para o homem de calça curta, ajoelhado diante da fechadura, a "puta" é um paradoxo: vergonhosamente acessível a todos, salvo a ele.
É nessa infantilidade que nascem a misoginia básica, o gosto da violência contra as prostitutas, a ideia de que todas as mulheres, se não são prostitutas, sonham com isso e uma preferência amorosa quase exclusiva por meretrizes.

Quando um desses homens ama uma prostituta e se casa com ela, seu ressentimento pode se calar em nome do amor, mas só por um tempo: ainda ele vai puni-la por ter sido e ser para sempre a "puta" que vai com os outros.


ccalligari@uol.com.br
@ccalligaris


Folha de S.Paulo
14/06/2012 

domingo, 17 de junho de 2012


24) Diferencie o que é a transferência imaginária e a transferência simbólica para Lacan.

O paciente chega com um sintoma e uma queixa, mas por trás faz uma demanda de amor ao analista. A transferência imaginária do paciente visa que o analista atenda sua demanda de amor (visa à completude) e quando o analista atende, isso paralisa o avanço do tratamento. A transferência simbólica ocorre quando o analista não atende a demanda de amor do paciente e o deixa em contato com a falta que move o inconsciente e coloca o paciente em contato com o seu desejo.



23) Quais os 3 momentos de formação da subjetividade segundo Freud? Explique os 3.

Todas essas etapas se constituem e permanecem ao longo da vida.

Autoerotismo: forma de satisfação na qual o objeto da pulsão são as zonas erógenas no próprio corpo. Não há ainda a consciência do eu e do outro, pois no início o eu ainda não se formou.

Narcisismo: forma de satisfação na qual se forma o ego o qual se torna objeto da pulsão. Já há uma diferenciação entre o eu e o outro, mas ainda precária, pois atribuo o que me dá prazer ao meu ego ou eu e o que me dá desprazer ao outro.

Complexo de Édipo






22) Descreva a origem de uma neurose e mecanismo das neuroses.

Freud descobre que as neuroses tem como causa as fantasias sexuais associadas a um desejo inconsciente. Esse desejo é sempre edipiano e entra em conflito com a consciência e pode se transformar em sintomas, inibições e angústias. Os sintomas tem o sentido de um desejo que foi recalcado e por isso virou conflito. Ele encontra sua satisfação nos sonhos, atos falhos, humor e nos sintomas. Os sintomas são a forma deles se satisfazerem.


21) O que é atenção flutuante do analista?

É a forma da atenção que o analista deve ter ao ouvir o material do cliente: a partir do desejo inconsciente. O analista não deve se deixar levar apenas por uma atenção no sentido lógico e consciente do que o paciente diz. O que interessa não é o que está explícito. O analista deve ouvir o sentido inconsciente que tem a ver com um desejo do paciente, mas que está presente na transferência.



20) O que significa análise selvagem?

Interpretar alguém fora do enquadre ou setting analítico.

19) O que é rochedo da castração?

Freud diz que a feminilidade é o limite de uma análise, o encontro com a feminilidade que está além do feminino ou masculino. Ela está presente em homens e mulheres. Significa poder sair da posição fálica e poder se confrontar com o desamparo.

18) O que é manejo da transferência?


É a forma como o analista deve lidar com a transferência do cliente.  Esse manejo exige que o analista tenha se analisado antes para poder se diferenciar do problema do paciente e não se misturar (inconscientemente) na neurose dele. Não se identificar com a neurose do paciente e ficar paralisado. Quando o analista entra no jogo da neurose do cliente o faz sem se dar conta, inconscientemente. É chamado de contratransferência do analista que pode impedir a análise.
Ex.: Freud com Dora – Ele acreditou no jogo da sedução dela com o Sr. K, se identificou inconscientemente com o Sr. K pensando que ela o amava (o Sr. K.). Interpretou errado e ela saiu da análise.

17) O que é uma atuação ou acting-out?

Colocar em ação um desejo que não havia conseguido realizar conscientemente através do pensamento e do processo adequado, assumindo a responsabilidade por ele.

16) O que é neurose de transferência?

É reviver na atualidade com o analista a neurose do paciente.

15) O que é a regra da abstinência?

A regra de que o analista não pode ceder aos desejos do seu cliente, nem erotizar o vínculo terapêutico, nem entrar em competição com ele.

14) Quais os dois sentidos que Freud atribuiu à transferência? O que ela significa na terapia?

Inicialmente Freud entende que ela é a resistência ao tratamento. Depois que ela é a mola ou motor do tratamento. Porque o paciente só se cura se ele reviver seus sentimentos proibidos e mal resolvidos no presente com o analista.

13) Quais os tipos de transferência que podem ocorrer numa análise?




A positiva e a negativa. A primeira (positiva) é a erótica e a amorosa.

A Segunda (negativa) é hostil. Pode ser competitiva ou desconfiada.

12) O que é a transferência?

É um deslocamento de afetos sexuais inconscientes que foram inicialmente dirigidos para os pais do paciente que ficaram retidos nas fantasias infantis e são dirigidos para o analista. Pode ter a forma de amor e ódio. Inicialmente era característico da relação com o analista, mas depois Freud reconhece que a transferência é um fenômeno mais abrangente com o qual todos nós convivemos em todas as relações amorosas.


11) Principais características do caráter anal na neurose obsessiva?

Teimosia, Ordem, Parcimônia (Avareza).



10) Quais as defesas utilizadas na neurose obsessiva?




Fixação na fase anal marcada pela ambivalência (amor e ódio) pelo objeto que ama. Leva a ruminação no pensamento.

Formação reativa – transformar um impulso no seu contrário (transformar agressividade pelo objeto amoroso em um impulso contrário acessível. Ex.: transformar a vontade de fazer uma agressão (ataque anal = cagada) ao outro, em mania de limpeza, de ordem, etc...).

Isolamento – Tirar uma idéia de seu contexto original e colocar em outro contexto para continuar a viver a idéia que está carregada de um desejo proibido.  Ex.: tenho vontade de eliminar ou matar meu pai, mas desloco essa idéia para outras situações e fico com ideia fixa de matar o porteiro ou um conhecido distante.



9) Quais as defesas utilizadas na histeria?





Fixação nas fases oral e fálica - Está oralmente como criança querendo receber ou falicamente querendo disputar com outras mulheres o desejo de um homem ou usando a sexualidade para conquistar um homem e triunfar sobre ele.

Conversão - Fazer sintomas no corpo. Ex.: paralisias, cegueira, desmaios, convulsões, etc.

Sedução - Erotizar os vínculos com pessoas só para seduzi-las sem querer criar uma relação amorosa com elas.


8) Qual a diferença entre a histeria feminina e a masculina?

O que a mulher histérica busca é despertar o desejo de um homem muito mais do que encontrar prazer sexual com o companheiro. Quer o reconhecimento de que é uma mulher, mas ainda não o é completamente.

O que o homem histérico quer é conquistar uma mulher idealizada e quando o consegue, não sabe o que fazer com ela. Ele só quer ser confirmado em sua virilidade por essa mulher. Ambos (histérico e histérica) ficam fadados ao fracasso no ato sexual.




7) Quais as principais características da histeria? Explique cada uma.

Exibicionismo, teatralidade e sedução.

Precisam se exibir para todos (exibicionismo) e fazem ema cena teatral (teatralidade) visando seduzir ou conquistar o desejo do outro sem vontade de retribuir.













6) Quais os eventos mais importantes nas análises de suas pacientes que ajudaram a psicanálise a avançar?



No caso Anna O (atendido por Breuer e Freud), Freud faz a descoberta da transferência erótica (ela se apaixona por Breuer que foi seu primeiro analista).





No caso Lucy, Freud faz a descoberta de uma característica do desejo histérico que é se “manter em falta”. Percebe a necessidade que a histérica tem de manter seu desejo insatisfeito.
Lucy se apaixona pelo patrão, mas mantém sua paixão secreta com medo da decepção e para poder continuar desejando-o.



No caso Elizabeth, Freud faz a descoberta do mecanismo da identificação histérica. Elizabeth aparentemente ama o seu cunhado. Mas de fato se identifica com o desejo do homem (seu cunhado) que deseja uma mulher (sua irmã), mais do que possuir o anseio de realizar um amor propriamente dito pelo cunhado. Isso ocorre para poder descobrir o que é ser mulher. O que a mulher tem que atrai um homem.


No caso Dora, Freud cumpre duas tarefas. Primeiro, analisa em profundidade esse jogo de identificação histérica. Dora esbofeteia o Sr. K exatamente quando lhe comunica que não ama sua mulher. Nesse momento ele perde seu atrativo, pois ela quer se identificar com seu desejo por ela para descobrir o que a Sra. K possui para atraí-lo e a seu pai. A histérica busca o mistério da feminilidade. Freud descobre a contratransferência do analista. Percebe depois que Dora interrompe o tratamento que ele errou na interpretação em função de ter deixado levar pela contratransferência. Ele se identificou com o Sr. K e analisou que a Dora amava a Sr. K. Diante disso Dora abandona a análise.





5) Qual o método adotado depois que abandona a idéia de causa traumática das neuroses?

Abandona a sugestão, a hipnose e a catarse e adota a livre associação ou associação livre.
Associação livre o paciente deve relatar tudo o que lembrar ou lhe ocorrer durante as sessões de análise.



4) Qual a hipótese posterior de Freud sobre a causa da histeria?

Abandona a idéia de trauma ocorrido de fato. Descobre que a causa das neuroses em geral - histeria, neurose obsessiva e fobia – está numa fantasia apoiada no Complexo de Édipo. Uma fantasia carregada de investimentos libidinais (de conotação erótica e sexual) associada a um desejo voltado para uma das figuras parentais ou alguém que a substitui.  


3) Qual o método inicial do tratamento da histeria?

Método de sugestão e da hipnose. A solução do problema devia ser uma catarse. Catarse significa purificação, ou seja, reviver as emoções guardadas do trauma e descarregá-las conscientemente.



2) Qual a hipótese inicial de Freud sobre a causa da histeria?

Que teria uma causa psíquica que seria um trauma sexual que ocorreu no passado onde a pessoa não estava preparada para reagir ao evento sexual ocorrido. O trauma ficaria inconsciente e teria que ser conscientizado.



1) Quais os casos de Freud sobre a histeria?

Anna O., Emmy Von’n, Katharina, Lucy, Elizabeth Von R. e Dora.



Luto e Melancolia (Freud, 1915)

Profa. Vera Lúcia Glasser Dutra *

A importância desse trabalho de Freud é que ele descreve duas reações opostas do sujeito frente às situações de perda: uma considerada normal e a outra considerada patológica. A perda pode ser de um ente querido, de um ideal, de um projeto de vida, etc... A diferença entre luto e melancolia é que apesar de ambos possuírem algumas reações externas aparentemente similares diante das perdas como, por exemplo, um estado de depressão pós-perda, eles tem conclusões distintas no processo de enfrentamento da perda. No primeiro caso, o de luto, após um período o sujeito consegue sair da depressão e seguir adiante com sua vida, seus amores e seus projetos e resulta num trabalho psíquico inevitável diante das perdas; enquanto no segundo caso, o da melancolia, o sujeito fica paralisado, fixado no objeto perdido o que perpetua seu sentimento de depressão e resulta num considerável prejuízo psíquico que deve ser evitado.

O luto é uma reação normal diante das perdas. É um trabalho necessário para o sujeito elaborar a separação e perda do objeto. A causa do luto é consciente, sei que perdi algo, sei o que perdi e sofro por isso. Durante o tempo do luto há uma profunda tristeza e perda de interesse no mundo externo, caracterizando-se o luto por uma falta de prazer na vida em geral, uma incapacidade de amar, trabalhar, etc.... ou seja, há uma inibição de todas as atividades do sujeito. Trata-se de um período de “depressão normal” por causa da perda que é socialmente reconhecida e psicologicamente também. O trabalho do luto é um processo psíquico no qual o sujeito elabora a retirada de seus investimentos no objeto perdido para poder reinvestir depois em novos objetos. Para que isso possa ocorrer o sujeito tem que reconhecer o valor do objeto perdido e poder sentir a dor da perda. No trabalho de luto, após um período de tempo o sujeito submetido à perda é capaz de se separar do objeto perdido porque é capaz de se diferenciar do objeto.

No luto é importante que o sujeito possa se diferenciar do objeto para se separar dele. Para isso é preciso que o sujeito tenha tido com o objeto uma relação na qual o objeto não fosse vivido como um complemento do ego do sujeito. O sujeito tem que ter passado pela perda do narcisismo primário e do seu “eu ideal” e adquirido seu “ideal de eu”. Só assim o sujeito já possui a capacidade de aceitar sua falta e sua incompletude de si próprio e adquirido a capacidade de perceber que o desejo de completude do ego é sempre ilusório. Assim, após a perda do “eu ideal”, o sujeito é capaz de poder manter suas relações com os objetos sem a busca de uma completude. Só depois da perda das ilusões de perfeição e completude do “eu ideal” é que se adquire a capacidade de diferenciação entre o eu e o objeto e se é capaz de se separar do objeto perdido. Ou seja, o sujeito tem que ter substituído seu “ego ideal” (com ilusão de perfeição e completude), um ego infantil impotente”, por um “ideal de ego” (que são valores e projetos para um ego que já reconhece sua incompletude e imperfeições), um “ego mais maduro e potente”. O ideal do ego só se adquire após a castração simbólica do Complexo de Édipo. Só se pode perder objetos e fazer luto após se saber que somos incompletos. Mas se a ligação com o objeto permanecia antes da perda no nível narcísico no qual o objeto tinha a função de ser um complemento do ego, nessa relação não há suficiente capacidade de diferenciação entre o ego e o objeto para se fazer o luto. No luto após um tempo, o sujeito finalmente se separa do objeto e volta a se interessar pela vida e a investir em novos objetos. Isso ocorre sem a necessidade de qualquer intervenção externa ou ajuda de uma terapia. A melancolia é uma reação patológica diante das perdas. Esse quadro, além de apresentar as reações normais do luto que são de profunda tristeza, a perda de interesse no mundo externo, a falta de prazer na vida em geral, uma incapacidade de amar, trabalhar e uma inibição de todas as atividades do sujeito, apresenta ainda mais outras características consideradas patologias que surgem só na melancolia. A melancolia vem acompanhada de uma diminuição da autoestima, intensas auto-acusações, podendo culminar até mesmo numa experiência delirante de punição ou suicídio. O melancólico sente-se incapaz de se separar do objeto perdido, pois seu ego não é capaz de se diferenciar do objeto. Nesse caso, o sujeito ao perder o objeto sente como se ele perdesse uma parte de si (de seu ego) quando perde o objeto. O objeto perdido do melancólico era vivido pelo melancólico como um complemento do seu ego, e em geral é um objeto engrandecido ou idealizado para alimentar seu “eu ideal” característico da infância. Como tal (objeto idealizado) esse objeto é alvo de muita ambivalência, pois o sujeito é muito dependente dele. Sempre que temos uma relação de extrema dependência somos ambivalentes. O sujeito depende dele para alimentar a ilusão de completude de seu ego. Desse objeto espera muito e quando não satisfaz as expectativas ele é alvo de ataques. Ou seja, o melancólico é muito ambivalente com relação a suas ligações (ama e odeia intensamente o mesmo objeto). Como é muito dependente do objeto, temendo odiar o objeto de quem depende, o melancólico usa a estratégia a estratégia de voltar esse ódio e hostilidade contra seu próprio ego. Aqui o sujeito se torna vítima de si mesmo por incapacidade de se diferenciar e se separar.

Freud afirma ainda que enquanto no luto a libido que estava investida no objeto durante o luto retorna provisoriamente para o ego, pois num primeiro momento o sujeito introjeta provisoriamente o objeto perdido, como forma de mantê-lo consigo e se proteger da dor. Mas devido ‘a falta do objeto na realidade para satisfazer os desejos do sujeito, a realidade se impõe e o sujeito busca um novo objeto, no qual sua libido será reinvestida. Já na melancolia a libido livre que estava investida no objeto, ao invés de voltar a se ligar a um novo objeto, volta-se para o próprio ego. Aqui a introjeção do objeto provoca uma identificação do ego com o objeto perdido. O ego ignora a ausência do objeto na realidade e se defende se identificando com o objeto perdido. Nesse caso o eu se anula e se submete ao objeto perdido, se fixando nele e na perda. Daí, então, o ego passa a ser julgado pelo superego como se fosse o objeto. As auto-recriminações do melancólico e ataques ao seu ego vindas do super-ego são na verdade dirigidas contra esse objeto perdido (que era amado-odiado) e que foi internalizado no ego.

Tanto no luto como na melancolia há dor e tristeza, mas no luto a dor abre caminho para a esperança de uma nova vida, enquanto na melancolia há uma fixação numa situação de morte psíquica que paralisa as possibilidades de transformação do sujeito e renovação da busca de satisfação na vida.